I Fórum Brasileiro de Moda Circular: confira o que rolou

Em um momento de avanços ligados à economia circular no Brasil, com destaque para o recém-aprovado Plano Nacional de Economia Circular, aconteceu na FEA-USP o primeiro Fórum Brasileiro de Moda Circular. A iniciativa liderada por Américo Guelere, da ESGtex, reuniu especialistas para discutir como transformar o setor a partir de um outro olhar para os resíduos têxteis. 

Além de promover trocas sobre boas práticas das empresas e o aprofundamento das regulamentações na União Europeia, o fórum se transformou em espaço de articulação entre atores – academia, governo, empresas e sociedade civil –, contribuindo para uma virada que precisa ser sistêmica. A participação de projetos da Europa, de países como a Finlândia e Portugal, foi importante para estabelecer possíveis pontos de colaboração. 

Julia Codogno e Raquel Chamis, da Cora Design, estiveram por lá e trouxeram seus destaques sobre o evento para o nosso blog. Este texto funciona como um resumo para quem não pôde participar, mas também um convite para se juntar a essa transformação necessária e urgente. Recomendamos ainda a leitura do artigo escrito por Gabriela Machado, que também soma aprendizados do Fórum Mundial da Economia Circular.   

Por Que a Moda Circular Importa?

A frase “a indústria têxtil é a segunda mais poluente do mundo” apareceu com frequência nas apresentações sobre moda circular, introduzindo o problema a ser enfrentado. E, mais do que um mero chamariz, ela dá destaque para o fato de que apenas 1% dos têxteis são efetivamente reciclados hoje. O resto? Vira lixo, contamina solos e águas, perpetua ciclos de exploração social e ambiental e amplia as desigualdades entre países do Norte e Sul Global. 

A economia circular emerge como uma resposta aos desafios socioambientais contemporâneos, oferecendo um novo paradigma para a produção e o consumo. Um “sistema econômico que utiliza uma abordagem sistêmica para manter um fluxo circular de recursos, ao recuperar, reter ou agregar valor a esses recursos, enquanto contribui para o desenvolvimento sustentável” (ABNT NBR ISO 59.004:2024, item 3.1.1).

A Finlândia em busca de colaboração 

Na fala de abertura do Fórum de Moda Circular, Werner Merzeder, da Business Finland, falou que, desde 2014, a Finlândia vem construindo um ecossistema de moda circular baseado em três pilares: economia circular, bioeconomia e digitalização. Como resultado desse movimento surgiram iniciativas como o Digital Product Passport, que rastreia toda a jornada de uma peça no país.

Kirsi Niinimäki e Julia Valle, da finlandesa Aalto University, mostraram como a pesquisa acadêmica sobre moda circular pode ser aplicada na prática. Projetos de alunos da instituição demonstraram que a colaboração entre universidades e empresas pode gerar soluções inovadoras e, em muitos casos, escaláveis. 

Em Portugal, a reciclagem mecânica da Valerius 360 

Miklos Nagy apresentou o processo de reciclagem mecânica da Valerius 360. A empresa processa 6 toneladas de fios reciclados por dia, fechando o loop desde a coleta até a nova peça. O processo inclui separação por cor e composição usando infravermelho, desfibragem, e criação de novos fios e tecidos. Mas Miklos foi honesto sobre os desafios: fio reciclado ainda não é mais barato que o convencional, e apenas a reciclagem têxtil não resolverá o problema do fast-fashion. É preciso repensar o sistema como um todo.

A Circularidade como Estratégia na Lojas Renner S/A 

Eduardo Ferlauto, diretor de sustentabilidade da Lojas Renner S/A, compartilhou a abordagem sistêmica que vem sendo colocada em prática na empresa: “Precisamos de transformações industriais para a moda circular. Na cadeia produtiva da moda, lidamos com várias frentes, incluindo o agronegócio”. 

Para desenvolver profissionais de diferentes áreas, desde o design até a logística, passando pelas fábricas, a varejista brasileira tem investido em educomunicação. O Guia de Moda Circular, que nós da Cora Design produzimos em 2023, foi citado como uma das iniciativas para ampliar o conhecimento das pessoas sobre circularidade.

Os Ecossistemas Circulares na perspectiva do CEPID Bridge

À frente do Centro de Estudos em Parcerias e Inovação para o Desenvolvimento (CEPID – Bridge) da USP, Aldo Ometto propôs pensar a circularidade a partir de ecossistemas. A seu ver, a universidade tem papel essencial na geração de conhecimento e tecnologia para uma economia regenerativa, trabalhando em colaboração com outros atores.

O pesquisador também citou três temas que resumem os desafios da moda circular no Brasil: urgência climática, desigualdade e desindustrialização. 

“O Brasil tem um papel fundamental na construção de soluções baseadas na bioeconomia, impulsionadas pela inovação sociotécnica voltada para a orquestração de múltiplos ecossistemas. Também enfatizo a grande oportunidade de integrar esses avanços com o conhecimento ancestral da natureza, crucial para os desafios do século XXI.”

Aldo Ometto

Diálogo com o poder público: O Plano Nacional de Economia Circular 

Em tom otimista acerca dos avanços do Brasil rumo à circularidade, os representantes da esfera pública, Eduardo Rocha (Ministério do Meio Ambiente) e Lucas Ramalho Maciel (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), apresentaram o recém-aprovado Plano Nacional de Economia Circular (PLANEC) 2025–2034. 

O documento estabelece diretrizes para a transição do modelo linear ao circular, alinhado a esforços e investimentos com outras políticas, como a Nova Indústria Brasil (NIB), o Plano de Transformação Ecológica (PTE) e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Além disso, a Lei de Incentivo à Reciclagem (nº 14.260/2021) oferece incentivos fiscais que podem fortalecer a cadeia e atrair investimentos para projetos de reciclagem têxtil.

Por fim, destaque para a Rota de Maturidade apresentado por Larissa Malta, analista de políticas e indústria da CNI – Confederação Nacional da Indústria. O guia oferece diagnóstico e indicadores de “maturidade circular” para empresas. Da mesma instituição, vale ainda destacar o recém-lançado guia Economia Circular: barreiras, oportunidades e práticas da indústria.

Principais Aprendizados do Fórum 

Do encontro, emergiram insights que podem orientar os próximos passos da moda circular no Brasil:

  • Trabalho coletivo: a circularidade exige cooperação entre diferentes setores e agentes. Afinal, se o mundo colapsar, será para todos. Academia, governo e empresas precisam construir juntos.
  • Mapeamento de soluções: é urgente identificar, reunir e organizar as soluções existentes para avançarmos com consistência.
  • Complexidade da agenda: a transição exige mudanças profundas e estruturais. Por isso, precisa ser pensada de forma sistêmica e colaborativa.
  • Compromisso das grandes empresas: negócios de grande porte têm o papel (e o dever) de liderar e impulsionar a inovação no setor.
  • Regulação como motor de mudança: não dá para depender apenas da boa vontade das empresas. A legislação precisa estabelecer os padrões para melhorias concretas e duradouras.
  • Integração de práticas internacionais: observar o que já está sendo feito mundo afora e conectar iniciativas é um passo estratégico.
  • Rastreabilidade e transparência: princípios inegociáveis para qualquer cadeia produtiva comprometida com a circularidade.
  • Estruturação da coleta: as soluções para circularidade precisam contar com a participação ativa dos catadores, reconhecendo e valorizando sua atuação.
  • Comunicação educativa: informar, sensibilizar e engajar a população é condição básica para mudar mentalidades e comportamentos.

Pensar o futuro circular da moda brasileira por lentes locais

A moda circular no Brasil não pode ser uma cópia de modelos estrangeiros. Precisa ser  genuinamente nossa: tropical, diversa, criativa, resiliente. Uma moda que honra nossas fibras naturais, valoriza saberes tradicionais, inclui comunidades e responde aos desafios específicos.

No Brasil, enfrentamos desafios complexos. Além das questões ambientais, lidamos com profundas desigualdades sociais que não podem ser ignoradas na transição para novos modelos. Muitas das soluções apresentadas, incluindo maquinário de ponta, ainda não existe por aqui. É por isso que os recortes de classe, gênero e raça precisam estar no centro da conversa. 

Uma visão de circularidade não é apenas sobre recursos materiais: é sobre pessoas, relações, e o mundo que queremos deixar para as próximas gerações.

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